A exposição “Impregnação”, de Vânia Barbosa, abre o Ciclo de Mostras 2023 na Galeria de Arte BDMG Cultural. Uma das quatro mostras selecionadas dentre as quase cem inscritas no edital, o trabalho de Vânia é o primeiro a ocupar nossa galeria, que durante o presente ano receberá também os trabalhos dos artistas Yanaki Herrera, Priscila Rezende e Iago Gouvêa.
O portfólio de Vânia se destacou ao mostrar a terra, tão presente em temáticas relevantes da realidade do nosso território. A terra argilosa, composta por vários elementos, entre eles o ferro, de onde vem sua característica cor avermelhada, é elemento marcante nas vivências de Minas Gerais.
A terra é o que decompõe, também o que Renasce. É, em si própria, um símbolo para os ciclos que se recriam. No ano em que completa 35 anos de fomento à cultura mineira, a galeria de arte do BDMG Cultural é mais uma importante ferramenta do Instituto de celebração, visando valorizar os artistas de Minas Gerais, dando visibilidade a tantos talentos oriundos do nosso chão.
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O poeta Carlos Drummond de Andrade diz em seu poema A Palavra Minas que “Minas não é palavra montanhosa, é palavra abissal”. Quereria ele afirmar que este território mina é terra de abismos ou de nos abismarmos? Ou ainda seria uma localidade de mistérios? Segundo ele, apenas os mineiros sabem. Único Estado da federação nomeado por sua função na economia colonial de um país que desde 1527 leva o nome de sua primeira commodity, Minas Gerais continua a ser a grande jazida nacional, concentrando 67% dos minérios do Brasil. Apesar do impacto da mineração poder ser sentido país e mundo afora, apenas os mineiros sabem o que é viver imersos no quadrilátero ferrífero.
A artista Vânia Barbosa tem aferido a repercussão da extração mineral em expedições poéticas no entorno do seu ateliê, no Jardim Canadá, tornando visível em seu corpo o que aparentemente está invisível para além dos muros das mineradoras. Seu projeto Grafias do Tempo arregimenta vídeos, performances, objetos, fotografias e instalações que trazem à tona nuances da mineração na Mina Capão Xavier. A presente exposição é um recorte da profícua série. Aqui são apresentadas obras que enfatizam a impregnação da terra vermelha, denotando a inscrição e o atravessamento de uma paisagem tanto física quanto humana no corpo.
Considerando que a mineração é a face mais óbvia do extrativismo e a encarnação do tripé colonialidade, patriarcado e capitalismo, a trama poética engendrada por uma anciã é o seu mais potente contraponto.
Em sua teoria geral dos gestos, Vilém Flusser afirma que um gesto é um movimento no qual se articula uma liberdade. Impregnação deve ser vista como uma coleção de gestos que maximizam o discurso. Se os olhos estão cerrados, é possível enxergar pelas mãos. Quando tudo parece assentado e silenciado, a dança pode voltar a visibilizar a existência e a problemática mineral. Vânia Barbosa foi impedida de visitar a cava que se avizinha de seu ateliê, mas por meio da arte ela pode atravessar qualquer muralha ou transpor todos os seguranças que a mineradora puder contratar. Só os mineiros sabem. O gesto poético de uma anciã e seu corpo impregnado pode minar simbolicamente o poder. Só as mineiras como Vânia sabem.
Cristiana Tejo
março de 2023
Tu és pedra
2021
Série Impregnação I
2021
Série “Carimbó das Gerais”
2021
Série "Carimbó das Gerais"
2021
Série “A Andarilha - Caminhadas pelo bairro, montanhas e estrada”
2020/2021
Série “A Andarilha - Caminhadas pelo bairro, montanhas e estrada”
2020/2021
Sou uma anciã. Nasci em 1955 na cidade de Pequi, interior mineiro, cerrado, longe de museus e galerias. Fui criada em relação completa com a natureza. Aprendi a respeitá-la, a observar o tempo e também a perceber o abate que ela sofria através da mão humana. Nesse tempo já questionava a diferença entre homens e mulheres. Nunca concordava com a injustiça do salário menor atribuído a elas. Faço parte desse cosmo.
Em 1980, entrei para a escola Guignard em Belo Horizonte – MG. Questionei a arte, seu sistema e seu valor em relação ao ser humano. Em 1984, assumi a arte como profissão. A terra que eu mesma colhia e preparava foi minha matéria prima escolhida. A borracha reciclada e o papel artesanal também tiveram seu lugar em minhas escolhas.
Hoje essa terceira fase, não observo mais a terra. Sou terra. Tenho a terra cada vez mais impregnada na minha pele, mãos e corpo. Levanto a poeira das pedras fragmentadas. O pó, essa ínfima partícula, se torna visível através dos pés que chutam o chão ao redor da cava. Falamos juntas em uma só voz. É a comunhão do corpo de uma anciã que se aproxima cada vez mais da terra e da Terra.